Vejo meu pai rindo na
cozinha com a minha mãe, brigando com o fogão e a comida. Era como ele sempre
fazia, só que no fim sempre saía algo delicioso. Entretanto, sei que não é
real. São como fantasmas, passando por mim, flutuando pela casa que, na realidade,
está completamente vazia. Num piscar de olhos, eles somem.
Não sei o que é mais
assustador: os fantasmas, ou o silêncio.
Queria poder manter a
casa, porém é um tanto grande demais para a minha pequena família de uma pessoa
e um coelho – sim, um coelho. Fred foi um impulso – mas uma boa companhia. Sem
falar que não tenho dinheiro para isso, não mesmo. Meu irmão até tem – mais do
que o suficiente para manter outras três iguais a esta – mas está ocupado
demais sendo bem sucedido fora do país para se importar com uma casa velha.
Apenas não consigo
imaginar outra família vivendo aqui. Seria como se estivessem destruindo meus
sonhos; aqueles mesmos sonhos que rabisquei na parede acima da cabeceira da
cama. Aqueles mesmos sonhos que provavelmente serão apagados com uma nova
camada de tinta.
Aqueles mesmos sonhos que
não fui capaz de realizar e agora parecem que vão ser deixados para trás de
vez.
Eles provavelmente vão
consertar a porta do banheiro que eu quebrei quando empurrei meu irmão contra
ela no meio de uma briga. E também o degrau que range sempre que alguém sobe
pro segundo andar.
Será que vão fazer uma
horta no quintal? Aumentar a cozinha, que é minúscula? Minha mãe sempre teve
essa vontade. Mas era como a porta: se falava sobre isso em um dia, e então,
esquecia-se disso completamente no outro.
Ainda me lembro quando
minha mãe começou a sentir contrações na poltrona da sala e, alguns dias
depois, voltou a se sentar com meu irmão recém-nascido no colo. Agora, a
poltrona nem está mais na sala.
Sei que memórias como
essas serão apagadas algum dia e outras sendo construídas sobre elas só irão
acelerar o processo. Talvez um dia eu passe por essa mesma rua e não consiga
reconhecer a fachada da casa, pois passou por várias reformas. Talvez eu tenha
medo de que, por causa disso, não consiga reconhecer a mim mesma. Estou perdida
no mundo e tudo o que tenho são essas memórias... E a certeza de que sei quem
sou. Não posso perder isso.
Quando estou finalmente
indo embora, tiro uma última foto do que eu chamo de “baú de memórias da
infância”. Sorrio ao ver que a luz do sol favoreceu a cor das paredes. A casa
parece brilhar; parece mágica. Espero que essa foto seja o suficiente para
manter as memórias bem vivas em minha mente.
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