domingo, 13 de dezembro de 2015

Baú de memórias

Vejo meu pai rindo na cozinha com a minha mãe, brigando com o fogão e a comida. Era como ele sempre fazia, só que no fim sempre saía algo delicioso. Entretanto, sei que não é real. São como fantasmas, passando por mim, flutuando pela casa que, na realidade, está completamente vazia. Num piscar de olhos, eles somem.
Não sei o que é mais assustador: os fantasmas, ou o silêncio.
Queria poder manter a casa, porém é um tanto grande demais para a minha pequena família de uma pessoa e um coelho – sim, um coelho. Fred foi um impulso – mas uma boa companhia. Sem falar que não tenho dinheiro para isso, não mesmo. Meu irmão até tem – mais do que o suficiente para manter outras três iguais a esta – mas está ocupado demais sendo bem sucedido fora do país para se importar com uma casa velha.
Apenas não consigo imaginar outra família vivendo aqui. Seria como se estivessem destruindo meus sonhos; aqueles mesmos sonhos que rabisquei na parede acima da cabeceira da cama. Aqueles mesmos sonhos que provavelmente serão apagados com uma nova camada de tinta.
Aqueles mesmos sonhos que não fui capaz de realizar e agora parecem que vão ser deixados para trás de vez.
Eles provavelmente vão consertar a porta do banheiro que eu quebrei quando empurrei meu irmão contra ela no meio de uma briga. E também o degrau que range sempre que alguém sobe pro segundo andar.
Será que vão fazer uma horta no quintal? Aumentar a cozinha, que é minúscula? Minha mãe sempre teve essa vontade. Mas era como a porta: se falava sobre isso em um dia, e então, esquecia-se disso completamente no outro.
Ainda me lembro quando minha mãe começou a sentir contrações na poltrona da sala e, alguns dias depois, voltou a se sentar com meu irmão recém-nascido no colo. Agora, a poltrona nem está mais na sala.
Sei que memórias como essas serão apagadas algum dia e outras sendo construídas sobre elas só irão acelerar o processo. Talvez um dia eu passe por essa mesma rua e não consiga reconhecer a fachada da casa, pois passou por várias reformas. Talvez eu tenha medo de que, por causa disso, não consiga reconhecer a mim mesma. Estou perdida no mundo e tudo o que tenho são essas memórias... E a certeza de que sei quem sou. Não posso perder isso.

Quando estou finalmente indo embora, tiro uma última foto do que eu chamo de “baú de memórias da infância”. Sorrio ao ver que a luz do sol favoreceu a cor das paredes. A casa parece brilhar; parece mágica. Espero que essa foto seja o suficiente para manter as memórias bem vivas em minha mente.


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