Podia ouvir seus gritos de
ira vindos do cômodo ao lado, abafados pelas paredes. Desesperada, continuava a
empilhar móveis e outros objetos que encontrava no quarto em frente a porta, em
uma tentativa de mantê-lo afastado. Não conseguia conter as lágrimas, nem os
soluços. Mantinha minha palma gelada sobre o lado direito de meu rosto, mesmo
que ardesse e doesse ao toque. O latejar me lembrava do momento em que não
consegui acreditar no que estava acontecendo, vendo seu punho descendo em
direção a minha face.
Estava aterrorizada.
Ao ouvir o primeiro murro
na porta, encolhi-me toda em um canto. Eu, que não era tão religiosa,
apeguei-me a rasa crença que tinha em um poder divino, rezando para que aquele
momento de terror acabasse logo. Com as mãos juntas e os dedos entrelaçados,
pedi para que tirasse aquele homem da minha vida e que desse algum sentido a
ela. Pedi para que me fizesse acreditar que podia ser feliz de novo.
— Abre essa porta, sua
vadia! Sabe que merece esses tapas que vou te dar!
Repeti para mim mesma que
aquilo não era verdade. Repeti duas, três, dez vezes. Não importava quantas
vezes eu tentasse me convencer de que não era minha culpa, uma vozinha em meu
inconsciente teimava em berrar o contrário. Aquele homem havia feito aquela voz
brotar.
Gorda. Ridícula.
Irritante. Chorona. Trouxa. Idiota.
Você não tem futuro. Não
sabe o que quer.
Eu que te sustento. Sem
mim você não é ninguém.
Só eu te amo do jeito que
você é.
Era como um tapa na cara
e depois um abraço de consolação. Um choro engasgado, a sensação de que nunca
vou merecer mais do que tenho. A descrença na felicidade.
Insegura como sempre fui
– culpa da sociedade, dos meus pais, dos amores que não deram certo e das
apunhaladas que levei nas costas por falsas amizades – acreditava em qualquer
coisa que dizia. Boa ou ruim. Em geral, tudo que falava sobre mim era ruim; meu
corpo, minha voz, meus trejeitos. A maneira como eu via o mundo. Por culpa
dele, tudo em que eu mais acreditava virou pó, sem sentido.
Não sabia mais o que era
amor. Porque, apesar de acreditar em tudo de ruim que falava a meu respeito, em
algum lugar dentro de mim sabia que o que sentia não era amor. Ele havia
afastado meus amigos, minhas irmãs. Meus pais, eu mesma tratei de afastar
quando saí de casa, nova, cansada da forma como me enjaulavam em suas regras;
acabei por parar atrás de outras grades.
Desnecessário comentar que
desconhecia o significado de amor próprio.
Amor. Tornou-se uma
palavra vazia, inexpressiva. Até aqueles que não conseguem explica-lo em
palavras sabem o que é, pois sentem, vivem isso. Eu só sabia o que era ódio.
Dor. Tristeza. E não conseguia mais acreditar que minha vida podia ser mais do
que isso.
Quando percebi isso,
parei de rezar. Parei de implorar.
Quando seu último murro
abriu a porta e os chutes seguintes empurraram os móveis para longe, só
consegui pensar em um último pedido.
— Me mata de uma vez.
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