domingo, 4 de outubro de 2015

O Dia de caos

A Dama Amaldiçoada condecora os céus com seu brilho minguante, brilho branco de sua face pálida, quase espectral. Assombração que sangra. Onde estarão todos ela se pergunta?
  O bruxo vagueia a observar os mares de estrelas ao seu redor. Grandes ondas, morros de escuridão erguem as luzes que condecoram todo o horizonte com sua beleza infinita.
  O povo, dividido entre classes, unido pelos prazeres. Em dois cantos da Cidade os coliseus lotam pelo entretenimento do público, chacinas generalizadas. Nobres assistem aos duelos singulares, luta de cavalheiros, corpo a corpo, toque, quase amor, mas só há competição e ódio no olhar dos lutadores. Plebeus se contentam com a aleatoriedade dos gladiadores que juntos em campo devastam o gramado com chutes ferozes. Onze contra onze, porém mais parece cada um por si no banho de sangue aclamado pelos gritos da multidão incansável.
  Sangue essa noite irá jorrar previu o bruxo. Para que a solidão da cidade fosse completa, campos lotados de carne em movimento assistem aos trovadores, menestréis e jograis que, por sobre a pedra no rio, apresentam seu show de aberrações com seus acordes que penetram almas.
  É a noite dos gêmeos, e a Cidade nunca se viu mais rápida. Mas por que então o bruxo via tanta gente ao seu redor, com seus fachos iluminados em suas carruagens de aço, cortando a atmosfera que os cerca e, ainda assim, se sentia tão sozinho neste dia de desespero?
  Era isso, “rápida”. A Cidade sempre se viu parada, fachos de luz que lentamente cruzavam os rios negros e sólidos, nunca rápidos, nunca dinâmicos, sempre estáticos. Diferente era deste dia fatídico. Estava vazio, pois estava em movimento, apenas as estrelas firmadas ao chão não abandonavam a visão do bruxo que rumava para seu covil. Queria ver o sangue jorrar.
  Debaixo da grande ponte o bruxo se escondeu, aguardou, e o céu fechou. A Dama estava envergonhada, quem sabe decepcionada, todos distraídos com seus shows, ninguém a quis ver, ninguém relevante o suficiente para fazer-se significativo, apenas o bruxo.
  Nuvens cobriram a Dama como abas de um vestido escondendo vergonhas, e então choveu. Seriam lágrimas?
  Por baixo da camada de água que descendia à Terra, o bruxo soube que, atrás do véu de vapor, a Dama envergonhada tinha rubores no rosto, e assim, o que choveu não foram lágrimas, foi sangue, o sacrifício em vão de uma bela solitária.

  O bruxo, como toda noite, retornou para os reinos de Morfeu. Não havia mais nada que pudesse fazer para alegrar sua amada na noite das feiticeiras.


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