A Dama Amaldiçoada condecora os céus com seu brilho minguante,
brilho branco de sua face pálida, quase espectral. Assombração que sangra. Onde
estarão todos ela se pergunta?
O bruxo vagueia a
observar os mares de estrelas ao seu redor. Grandes ondas, morros de escuridão
erguem as luzes que condecoram todo o horizonte com sua beleza infinita.
O povo, dividido
entre classes, unido pelos prazeres. Em dois cantos da Cidade os coliseus lotam
pelo entretenimento do público, chacinas generalizadas. Nobres assistem aos
duelos singulares, luta de cavalheiros, corpo a corpo, toque, quase amor, mas
só há competição e ódio no olhar dos lutadores. Plebeus se contentam com a
aleatoriedade dos gladiadores que juntos em campo devastam o gramado com chutes
ferozes. Onze contra onze, porém mais parece cada um por si no banho de sangue
aclamado pelos gritos da multidão incansável.
Sangue essa noite
irá jorrar previu o bruxo. Para que a solidão da cidade fosse completa, campos
lotados de carne em movimento assistem aos trovadores, menestréis e jograis
que, por sobre a pedra no rio, apresentam seu show de aberrações com seus
acordes que penetram almas.
É a noite dos
gêmeos, e a Cidade nunca se viu mais rápida. Mas por que então o bruxo via
tanta gente ao seu redor, com seus fachos iluminados em suas carruagens de aço,
cortando a atmosfera que os cerca e, ainda assim, se sentia tão sozinho neste
dia de desespero?
Era isso, “rápida”.
A Cidade sempre se viu parada, fachos de luz que lentamente cruzavam os rios
negros e sólidos, nunca rápidos, nunca dinâmicos, sempre estáticos. Diferente
era deste dia fatídico. Estava vazio, pois estava em movimento, apenas as
estrelas firmadas ao chão não abandonavam a visão do bruxo que rumava para seu
covil. Queria ver o sangue jorrar.
Debaixo da grande
ponte o bruxo se escondeu, aguardou, e o céu fechou. A Dama estava
envergonhada, quem sabe decepcionada, todos distraídos com seus shows, ninguém
a quis ver, ninguém relevante o suficiente para fazer-se significativo, apenas
o bruxo.
Nuvens cobriram a Dama
como abas de um vestido escondendo vergonhas, e então choveu. Seriam lágrimas?
Por baixo da camada
de água que descendia à Terra, o bruxo soube que, atrás do véu de vapor, a Dama
envergonhada tinha rubores no rosto, e assim, o que choveu não foram lágrimas,
foi sangue, o sacrifício em vão de uma bela solitária.
O bruxo, como toda
noite, retornou para os reinos de Morfeu. Não havia mais nada
que pudesse fazer para alegrar sua amada na noite das feiticeiras.
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