domingo, 25 de outubro de 2015

Espelho mentiroso

Ela despertou em meio às cobertas amarrotadas e travesseiros sem fronha, com um dos pés pendendo para fora da cama. Havia adormecido com o rosto enterrado no colchão, esperando que o choro cessasse e o sono a presenteasse com a glória de se esquecer que está vivendo.
Quando percebeu que não conseguia mais fingir que não estava acordada, deslizou o corpo pela cama, sentindo o tecido quente e aconchegante tocando diretamente sua pele. Notou, então, que havia dormido coberta apenas por suas roupas íntimas e, repentinamente irritadiça, perguntou-se “como ousa?”; “como ousa deixar exposto esse corpo digno de vergonha e humilhação?”. Qualquer um podia ter entrado e visto a garota em sua seminudez – ela teria pena desse alguém. Chegara a um ponto que ódio era pouco para descrever o que sentia por si mesma.
Deslizou-se pela cama até cair e ir de encontro ao chão. O carpete áspero pinicava sua pele e arranhava enquanto arrastava seu braço. Doía, mas ela não parava – por que pararia? Fazia parte de sua tortura matinal, assim como olhar para o teto com mágoa e encarar os recortes de revista de moda, todos com modelos altas e – o que lhe causava mais inveja – magras. Passara um dia inteiro recortando e pregando os pedaços de papel, a consciência pesando em culpa pelas míseras calorias que havia comido a mais.
Só ela sabia o quanto isso era cruel, embora gostasse também de chamar de “motivação”.
Enquanto cortava as páginas frágeis com extrema violência e arrependimento, desejava poder fazer isso com seus quilos a mais e as gorduras que pensava estarem se acumulando em bolsinhas em sua barriga. Não que ela nunca houvesse tentado; havia... E mais de uma vez.

Ela não acreditaria se eu lhe dissesse que provavelmente a tesoura não havia encontrado nada que pudesse ser arrancado por suas lâminas. A pele era grudada aos ossos, tão aparentes que pareciam que iria rasga-la. Mas o espelho era maldoso; não queria lhe mostrar o que era real. Preferia assistir enquanto a menina de cabelos volumosos se desmoronava em lágrimas e sofria por uma mentira. 


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