domingo, 8 de março de 2015

Um olhar de fora

Tem essa garota na minha escola. Eu a observo todo o tempo. Ela anda, meus olhos a seguem. Ela fala, eu escuto, mesmo quando não é comigo, eu me esforço em escuta-la. Ela se concentra na aula e eu me concentro nela. Não há nada de especial nela, na verdade, eu só gosto de assistir a vida dela. Talvez a maneira de ela ser tão coadjuvante nesse mundo que me chame a atenção. E não é perseguição, juro. Eu só gosto de observa-la, o tempo inteiro. 
Acho que ela gosta, um pouco, isso quando percebe. Mas, as vezes, sinto que isso a incomoda, assusta e a deixa meio... envergonhada. A inibe. Parece fazer o possível para esquecer a minha presença e relaxar. Não me magoa, nem um pouco, é até divertido assusta-la. 
Eu seria uma boa câmera, gravando um filme contínuo dela. Já tenho boas imagens, exibiria em algum lugar, se pudesse. Talvez ganhasse um prêmio. Mas não, as imagens são só minhas. 
Supondo que eu seja uma câmera: agora a lente filma ela escrevendo durante a aula, conversando com uma amiga, comendo no intervalo, lendo um livro, sentada olhando em volta, andando em direção a sua casa, jantando com a sua família, se deitando em sua cama, olhando-se no espelho. 
E esse é o único momento em que ela pode realmente me ver: o formato do meu rosto, a cor dos meus olhos, o contorno dos meus lábios. Mas há uma única pessoa na frente do espelho, e assim eu mostro a ela como eu a vejo. E mesmo assim, quase sempre, mesmo nesse momento ela ignora a minha existência, pois esse é o seu costume. Ela sorri para a câmera, como sempre sem notar, e eu estou lá, sorrindo junto. 
Tenho muitas opiniões divididas sobre essa garota. Ela muda, como qualquer outro ser humano normal, talvez até mais; e eu mudo minha avaliação junto. Orgulho, decepção, alegria, tristeza, confusão, raiva... Depende. 
E o que eu ainda não a contei, e ela já deve estar começando a deduzir, é que ela já devia ter me dito para parar faz tempo. Ela não quer mais essa visão de fora, quer que eu volte para dentro dela, para a ''primeira pessoa'', volte ao papel principal. Mas seus pequenos esforços não estão sendo muito bons, na minha opinião, porque, bem, eu ainda estou aqui, não estou? Me assistindo. 
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