sábado, 31 de janeiro de 2015

O Abutre

Gostamos de te rodear, te observar, te recriar e te deformar.
Queremos ver você sangrando, você chorando, você enlouquecendo, você humilhado, você aberto, inteiro e pela metade.
Você não é mais que uma presa.
Vamos guardar esses momentos e mostrar aos outros por um tempo, longo ou curto, depois, não de verdade.
Um dia você é, no outro não.
Lembram, mas não se importam.
Será lembrado, porém esquecido. Complicado, não?
Você perde a utilidade. Você envelhece, nós não.
Mas entenda, sempre há o mesmo fim, e você perde nele.
Ganhamos e continuamos ganhando, de novo e de novo.
Nos deixe observá-lo, nos deixe gravá-lo, nos deixe destruí-lo, nos deixe opiná-lo, nos deixe imaginá-lo; apenas nos deixe, pensamos ser nosso direito.
Sorria para a câmera. Você chamou nossa atenção.
Eu te amo!
Eu te odeio!
Quem é você mesmo?
Você é a imagem, você é o alvo, você é a presa, você é o norte, você é a estrela e você não é nada. Nós te fazemos, nós te construímos, nós também podemos te destruir.
Conseguimos te enlouquecer?
Aqui vai um quadro: você está deitado no meio da rua. Morto, sangrando, chorando, protestando, tanto faz. Aqui vai outro: você está berrando conosco. Por quê? Não fizemos nada de errado que lembremos, percebemos ou sequer nos importemos. E nosso favorito: você está implorando pela sua vida.
Lamento, peça algo diferente, isso não podemos fazer. Já foi feito.
Entre nós há mentores e imaginadores: os primeiros lançam as ideias e os outros as reproduzem como quiserem e perpetuam as conclusões.
Você está morto, isso é tudo. E será difícil mudar.
Se quiser, você que se desgaste tentando. Estamos ocupados. Você não é o único com quem trabalhamos, sabia?
Agora, deixe vir o próximo da fila, amanhã te matamos mais um pouco, talvez, se valer a pena.
E antes de ter raiva de nós, Abutres, não se esqueça que você também é um de nós, inconscientemente ou não.


Nenhum comentário:

Postar um comentário